quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Talento





Ouvi de um jovem outro dia a seguinte frase “namorar? Quero morrer solteiro. Namorar dá dor de cabeça.” Passei toda a minha vida com esse pensamento e pensando bem o segui a risca, ao pé da letra, nunca namorei, nunca casei, ou melhor, pensando bem, achava que nunca havia namorado, casado ou constituído família; mas descobri, depois de um longo tempo, que namorei, namorei muito, namorei bem, namorei por uma noite cada homem que tive entre meus braços, minhas pernas, em meu corpo. É por uma noite. Porque nunca gostei de repeti-los até mesmo os mais saborosos, nunca eram repetidos. A segunda vez nunca teria o gosto da primeira.

Isso me fez lembrar uma antiga teoria minha cada um tem um dom, só um, no qual deve se aprimorar, a maioria das pessoas passa pela vida sem percebê-lo, mas eu percebi o meu desde cedo: sexo, esse era o meu talento, não amor, porque ninguém faz amor, isso é coisa que inventaram pra vender lingerie, to falando de sexo, de desejo de coisa carnal, do simples e puro ato de prazer. É de prazer, porque prazer se alcança de várias formas; eu mesma já gozei com um livro e não foi gozo estético não, foi sexual, puro desejo, daquele que te esquenta toda e te faz gozar. Talento. Puro talento. Antes de descobri-lo via os músicos, como se doam pra sua arte, como nos fazem acreditar que cada célula do seu corpo é uma nota musical em plena harmonia com as demais, sempre pensei assim de todos os bons profissionais que conheci, dos médicos que abnegam a vida e abandonam as famílias para cuidar dos doentes, dos professores que dedicam a vida a continuar sempre estudando e repassando a alunos interessados e desinteressados, dos cientistas que abrem mão do convívio social para deixar seu legado para a humanidade, enquanto todos eles faziam isso eu, a sem talento comercial, tentava descobrir o meu.

Desde sempre me toquei, e como toquei, gostava de imaginar os amigos do colégio me desejando, me possuindo e ainda era virgem nessa época, um dia me peguei pensando em como posso gostar tanto de sexo se nem o conheço de fato? Descobri, então, o meu talento, meu dom, minha arte. O sexo.

Nunca o levei, como muitos por ai, como coisa comum, alias nunca o encarei feito coisa, sempre o encarei como arte, alguns levam talento para compô-lo outros não, exige do artista engenhosidade, empenho, dedicação, não é brincadeira, não é para ser banal, nem muito menos feito de má vontade, sem ímpeto, de qualquer jeito, o encarei como um encontro de corpos e das almas, sempre o levei muito a sério e creio que ele também me encarou assim, como a personificação perfeita do seu Ser. Fui escolhida por alguma entidade superior para gostar de todos os prazeres que uma boa foda pode oferecer, com garotos, garotas, enfim com seres.

Não. Não sou ninfomaníaca, mas não consigo compreender como existem pessoas que podem ser PhD, mas que não conseguem parar um minuto do seu tempo para treinar um pouco, para se dar prazer sexual, para dar prazer ao companheiro. Já eu me dôo, me dou, dou mesmo.

Gostava de sentir as línguas quentes em minha pele e os membros rijos dentro de mim, não importava por onde tinham entrado, desde que estivessem dentro de mim e soubessem como se mover ali. Brancos, negros, altos, baixos, gordos, magros, indefinidos... já me dei e já tive todo o tipo de gente. E independente da etnia, da religião, do tipo físico foram todos deliciosamente provados e explorados por mim, até me dei ao trabalho de ensinar macetes, posições e até mesmo a movimentação do sexo para alguns, era impressionante o prazer imenso que eu sentia ao ter dentro de mim um iniciante ou um veterano, daqueles que nem precisa instruir, ele me tocava como se conhecesse meu corpo desde sempre, era o perfeito e famoso: encaixe. Me deliciei em todos os lugares, a todas as horas do dia, até porque não se deve oprimir os desejos que parecem surgir do nada, no estacionamento do supermercado ou ainda no banheiro da loja de conveniência, sou daquelas que acreditam que o cenário ajuda. E muito.

Vivi toda a minha vida longe de relacionamentos considerados sérios pela sociedade ocidental cristã ortodoxa machista, sempre preguei o sexo livre, livre e não liberto, sem libertinagem, por favor, independente do conceito que se tenha de libertinagem. Não preciso me casar com alguém para “dar uma” com essa pessoa, acho que nunca casei por isso, não suportaria a idéia de transar todos os dias com a mesma pessoa.

Já estava acabando meus dias quando ouvi a frase do jovem e acabava-os pensativa e melancólica por não haver descoberto o tal de amor, Eros e Afrodite não foram bons com a pessoa aqui, ou será que foram? Acho que foram. Nunca na vida sofri a famosa desilusão amorosa; Baco, Dionísio eram os meus reis, meus deuses. Sexo por puro prazer, sem apego, sem dor, sem esperar o telefonema. Namorei todos por uma noite, por um dia, por 10 minutos, e namorei o suficiente para acreditar que namorar, assim como todas as outras coisas, é a melhor coisa do mundo: Quando se tem talento para ela.

sábado, 18 de julho de 2009

NOSSOS


Seja Homem, não Pai

Me tome como Mulher, não Filha,

mas não como Tua mulher

Não sou Tua, assim como não és Meu.

Não seja Meu.

Costumo não saber o que fazer com Minhas Coisas,

onde as deixo,

onde as guardo,

por que já não me servem...

perco o interesse nelas logo após a aquisição.



Eu sou Minha.

Você Teu.

Não temos outros Donos.

Não se dê a mim.

Entregue-se.

Nesse momento entregarei-me a Ti,

então, seremos Um.

Seremos Nossos.



Mirla Menezes

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Devir

Assistia desinteressado ao programa sobre a formação e hierarquia em uma colônia de formigas quando, olhando bem para a tela do aparelho de televisão, descobriu uma nódoa, pôs-se a pensar o que teria deixado aquela mancha que ele não conseguia remover, mesmo quando esfregava o dedo com força. Enquanto esfregava o anelar da mão direita com força contra a fria superfície do eletrônico lembrou-se o que, mesmo já não existindo e já não mais esvoaçando ao seu redor, deixara ali sua marca, o indício de sua passagem, seu signo. Um mosquito. Como um pequeno e infame mosquito poderia deixar marca tão forte, tão aderente e tão incomoda?, pensou consigo, como algo tão insignificante pôde tirar sua atenção do programa e encaminhá-la para a tela de seu televisor novo, com 49 polegadas, como aquele ser infecto se atrevera a morrer ali e ainda, assim, em morte incomodá-lo?
Enquanto refletia sobre o atrevimento do inseto, sua pequena sobrinha, com cerca de quatro anos, parou de brincar com seus lápis de cores e ficou a observar o tio em sua pesquisa, que tipo de coisa faria com que ele ficasse tanto tempo com a face tão perto da televisão e a observando de maneira tão atenta?, seria esse o pensamento da criaturinha se tivesse idade o suficiente para formulá-lo. Passado alguns poucos minutos aproximou-se dele e começou a observá-lo melhor, sem que ele percebesse, notou que ele não fazia nada mais que olhar para uma sujeira na tela de sua TV, coisa sem importância.
Ele esfregava freneticamente seu dedo anelar sobre a nódoa, esfregava e esfregava, enquanto pensava que seu novo televisor iria ficar, já tão cedo, com uma mancha, e começara a se perguntar porque matara aquele inseto ali, poderia tê-lo mandado para longe, tangido, afastado, mas não; em sua fúria por ter sido incomodado, durante um Fla-Flu nem pensou na conseqüência de seu ato.
Uma mancha enorme, porque a esta altura ela já estava tomando toda a sua alma, tirando a sua paz, por um momento impensado perdia sua tranqüilidade naquela tarde de domingo, parou, respirou e quando pensou em pegar uma esponja e água para lavar a tela do aparelho, percebeu que muitos atos impensados na vida trazem nódoas que duram muito, mas muito tempo mesmo, algumas eram até impossíveis de tirar, crônicas, eternas, lembrara que muitas vezes dissera palavras duras a entes queridos e que mesmo com um pedido de desculpas elas não desapareciam, não havia alvejante que desse conta. E ele? quantas vezes não tinha ouvido palavras ou ainda sofrido ações que lhe jogaram lama no coração e pior no orgulho?, esse nunca se permitira lavar. Pensando bem, não tinha motivo algum para matar aquele mosquito, afinal, o animal nada lhe fizera, só estava seguindo o seu instinto, tentando fazer o reconhecimento do local, do novo ser que encontrara. Deus o que fizera? tirara a vida de uma inocente criatura, escandalizado com sua atitude e percebendo agora que seu rosto refletia na TV, sussurrou para si “assassino”, olhou para os lados e tão desconfiado estava não notou que a criança o observava cada vez mais curiosa, segurando um dos seus lápis na mão esquerda ela esperava que ele se afastasse do televisor e voltasse a normalidade. O tio absorto em seus pensamentos cria agora que era um monstro, um covarde. Afinal, matara um pobre e indefeso mosquito, o que estaria agora fazendo aquela frágil criatura se ele não a tivesse matado? Que ser vil ele se revelara, dava graças aos céus por sua boa mãezinha não ter vivido para ver aquele momento e se martirizava agora pela vida do ser que, há dois minutos, maldizia a existência.
Dando-se conta da presença da menina recolhe seus pensamentos assustado e vê a pequena aproximar-se de seu objeto de louvor, pôr o dedo indicador na boca, umidecê-lo, esfregar levemente a tela da TV e voltar a brincar no canto da sala com seus lápis coloridos; em dois segundos a tela voltou a reluzir, sem demonstrar que fora em algum momento, um instante sequer, molestada, maculada, enodoada pelos restos mortais do mosquito. Ele olha para aquilo incrédulo, como não cogitara isso antes? Recostou-se no sofá, apanhou o controle remoto e pensou: “Maldito mosquito me fez de bobo, mereceu morrer”.

Mirla Menezes

segunda-feira, 13 de julho de 2009

E agora?

Odeio o sol

Ele tenta te mostrar quem sou;

quem não sou;

quem acham que sou;

só não me mostra.

Tão inútil, nessa passividade de coisa.

Sem trabalho, sem função.

Objeto.



Enquanto a noite...

Ah!!! a noite...

Ela permite que eu me invente, reinvente,

que seja contraditória e tente novamente não ser eu.

Posso trabalhar em mim,

obreira,

construir,

me fazer,

refazer,

me moldar.



Já tentei não ser ela, não ser eu, não ser você

até não ser, já tentei.



E pelo avesso tento te mostrar quem sou

Me desvaneço aos seu pés e me mostro

Me escondo, me ponho ao certo, ao contrário...

Me viro.



E você nada vê.



Mirla Menezes