segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

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"perdi-me dentrO de mim pOrque eu era labirintO..." http://formspring.me/myrlamenezes

sábado, 6 de fevereiro de 2010

névOa


Não sabia de onde vinha tamanha tristeza, achava que andava em falta com o mundo, há tempos não o oferecia nada de construtivo, de novo, de bom; andava em falta com a família, com os amigos, com os clientes, há muito tempo não lhes dava motivos para se orgulharem dele, nem mesmo seu trabalho andava fazendo de maneira, ao menos, satisfatória. Tudo que via lhe fazia mal, nada o estimulava, o colocava para cima, o fazia ver condições de melhora; só enxergava o cinza, o gris, isso quando enxergava. Todos os seus planos tinham se esvaído, assim, sem mais nem menos, sem seu controle. Era um rio que com toda intensidade forçava por entre os rochedos que não conseguiam contê-lo. Simplesmente, não entendia como mesmo tudo tendo saído de acordo com o plano, a felicidade que o informaram que chegaria, não havia chegado. Como em tantos anos aplicados não percebera que sempre pediriam mais, sempre o cobrariam mais, por melhor que fosse, por mais bem sucedido que ficasse, por mais dinheiro que tivesse, sempre alguém lhe pediria mais? Todos os bens materiais adquiridos eram nada perto do que sentia - carros, casas, fazendas, casas de jogos, mulheres e status – eles não lhe trouxeram nada e ninguém nunca percebera isso.
Ali sentado na pequena pousada, onde resolvera parar para se reconhecer, todas as conquistas se enumeravam e cada vez que contabilizava mais um número era uma batalha perdida, menos um prazer dado a si mesmo, tudo só para orgulhar o outro, fazer feliz o próximo - que nem era tão próximo assim – e o próximo nada fizera por ele, sequer uma demonstração de afeto, sequer um carinho, um abraço, um afago. Lembrou-se que, quando criança, nunca tivera uma festa surpresa, nunca fora lembrado por ninguém que o quisesse festejar verdadeiramente, tudo sempre fora planejado em sua vida, o nascimento, as escolas, as festas, os amigos, as namoradas, a faculdade, os negócios, tudo, sem sequer uma consulta a ele. Inicialmente, se sentira especial, ninguém que conhecia – pensando bem ele nunca conhecera ninguém a fundo – era tão bem cuidado, supervisionado e amado, mas depois de certo tempo percebeu que ninguém com quem tivesse contado – ao menos espontaneamente – era tão confinado, monitorado e tão privado das sensações, do controle de sua própria vida, e até mesmo das frustrações, como ele fora; mas quando percebeu isso acreditou que era crise da adolescência, bobagem da idade e ignorou as observações.

Agora aos vinte e cinco anos sentia-se velho, cansado, inutilizado. Não havia produzido nada para si, toda sua vida fora ditada por projetos que não eram seus, não sabia suas predileções - comida, cor, time do coração - nada que dissesse respeito à construção da sua personalidade, que o fizesse sentir vivo, até mesmo o paletó que vestia naquele instante não tinha sido escolhido por ele – era o mais adequado, segundo a consultora de moda, para a reunião que teria naquela manhã – tirou o nó da gravata, jogou-a no tapete, velho e carcomido pelo tempo, que cobria o chão, seus tons de amarelo lhe deram a impressão de alegria e pela primeira vez sentiu que estava pensando por si e fazia um ato pela sua vida, com suas próprias mãos. Olhou para uma cafeteira que estava em cima da pequena geladeira e se sentiu como ela, sem vontades, sem saber a que veio ao mundo e sequer o que fazia nele, os dois só sabiam para que serviam: para gerar algum prazer a alguém. Alguém que pouco se importa se o serviço o queimava por dentro, se precisava de uma limpeza ou de um descanso. Naquele, fétido e barato, quartinho de beira de estrada descobriu de onde vinha a tristeza, não estava em falta com o mundo, estava em falta consigo e decidiu naquele instante que podia ser, dali por diante, diferente de uma máquina, diferente da cafeteira, diferente dos homens que o tinham feito igual a eles, ele poderia ser gente, sentir, amar, escolher o que queria - até mesmo no ato da não escolha – chamou o cozinheiro que o serviu um rústico café da manhã e elegeu ovos com salsicha seu prato predileto do dia, porque agora ele poderia mudar quando quisesse.