segunda-feira, 15 de novembro de 2010

espantO

Nunca imaginara, em toda sua vida, que uma aula sobre os tempos verbais seria-lhe tão reveladora.
Quando aquela pequena e inexperiente criaturinha aproximara-se e falou que a forma verbal “durmo” não era indicadora do tempo presente, prostrou-se na cadeira em frente a mesinha branca e simples da escola municipal onde lecionava e respondeu que isso era impossível, era óbvio que aquela forma verbal indicava o tempo presente, assim como “dormirei” indicava futuro, com isso a criaturinha concordou, mas retrucara que “estou dormindo” indica presente, mas que “durmo” sequer significa algo e lhe disse mais, nenhum verbo no tempo chamado “presente” significava coisa alguma. Após várias tentativas a criança se deu por vencida com relação à resposta que poria no exercício, mas deixou bem claro que na prática não estava de acordo, repetindo isso se afastou da mesa e foi sentar-se no lugar que lhe era designado.
Após o toque do sinal para que os alunos saíssem, se pegou pensando que a criança tinha toda a razão, mas como explicar a um ser tão verde, tão cru, tão inocente do alto dos seus oito anos, que o presente não existe, nem nos tempos verbais, nem na vida, que ele ao menor instante que paramos para pensá-lo já escorreu por entre nossos dedos sem nos dar a menor possibilidade de agarrá-lo, que é extremamente transitório, que aliás ele nem É; que tudo o que existe É e FICA no passado, na lembrança, na memória, que os prazeres, as dores, as delícias da vida residem concretamente nele, mas como falar sobre memórias para alguém que mal as tinha, pois de pouca coisa de sua infância podia lembrar, como informá-lo de que o futuro que ela tinha dado como certo também não existia, que ele é só possibilidade, sonho, anseio, projeção, que muitas coisas poderiam acontecer e impedir que ele se tornasse passado, e que dessa forma ele seria somente hipótese, sempre.
Toda essa reflexão a fez lembrar-se de sua infância, de quando, mesmo brincando, maltratava e matava as formigas que encontrava na sala de sua casa, e logo depois se punha arrependida e questionava-se “o que fizera aquele ser tão ínfimo, aparentemente, tão frágil, para despertar sua ira e merecer a morte?”; a resposta e o sentimento que seguiam eram sempre os mesmos: “nada fizera a formiga”, e então o remorso tomava conta de sua alma, ficava pensando por horas a fio o que estaria fazendo o inseto se ela não lhe tivesse tirado a vida, aprendera na prática e não com os verbos que não se pode apagar e corrigir o passado, mas como explicar tudo isso para a alguém?
Despertou de seus pensamentos com o novo toque para a saída dos alunos das séries maiores, foi para casa com a ideia fixa de que era uma péssima profissional, pois nunca poderia explicar, instruir, ensinar aos seus alunos o que é e do que se compõe essa imprevisível, irrespondível e indefinida coisa que é a vida.